quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Parabéns vovó!


Num dia especial para mim, partilho convosco uma carta que escrevi há uns anos e que poucos de vós conhecerão. Porque é lindo lembrar as coisas lindas e fazer memória daqueles que transportamos dentro.


"Deixem-me dizer umas palavras…que serão sempre poucas para descrever o que temos vivido ao longo destes seis anos e especialmente ao longo destes últimos dias. Para o dizer numa palavra, a primeira que me vem aos lábios é… obrigada! E depois Missão cumprida!
Obrigada, meu Deus, por esta maratona que nos fizeste correr a partir do momento em que um AVC repetido levou a avó Conceição para a cama, com metade do corpo paralisado. E veio ter a nossa casa… Por pouco tempo, diziam os médicos, mas tu, vóvó, mostraste a todos que eras de bom material e que não te ias assim tão depressa. Ainda tinhas uma tarefa para terminar. Dizias que a tua missão era rezar pelas netas e pelas amigas das netas que não tinham avó que rezasse por elas. E o terço que te fiz tornou-se o teu companheiro diário. Quantas vezes não o íamos topar dentro dos lençóis! E dizias ficar cansadinha de tanto rezar. Por isso vóvó, é que nós passámos sempre nos testes. Dizíamos-te que íamos estudar e tu imediatamente pegavas no terço. Mas tu não rezavas só com o terço. Talvez não tivesses noção disso, mas tu toda eras uma oração. A tua mão seca era uma oração, as tuas dores ao fundo das costas eram uma oração, a tua falta de forças, a tua língua sequinha eram uma oração. Às vezes dizias que isto era sofrer demais, que nós não sabíamos, nem podíamos saber o que era a tua vida: era só sofrer, sofrer sem descanso. Que te doía tudo, até o cabelo! E respondíamos a brincar: só a língua é que não te dói! E tu dizias que também essa te doía e muito, mas nem por isso deixavas de falar, de chamar, de cantar…e a tua missão vóvó, foi esta também. Chamar-nos. Manter-nos vigilantes e atentos ao mundo dos que sofrem, dos que estão sozinhos, dos que são abandonados, dos que perdem a esperança. E as tuas netas aprenderam a lição! Não lamentamos um dia, um dia só, de gritos, de sono e cansaço, de sustos, de trabalhos. Porque isso nos fez crescer a todos, e a ti também. Um dia disseste-me que nunca pensaste chegar a tanta idade. E se te perguntava que idade querias ter, dizias 20 anos. Tenho 20 anos, vóvó, e tu tiveste-os também até ao fim e ensinaste-me a valorizar a minha juventude. Relembro-te a sorrir, sempre bem- disposta, com a resposta sempre pronta. A mãe dizia que tinhas tempo para as estudar! E acabaste por te tornar no santuário da nossa casa.
Dou graças a Deus pela tua serenidade, pela tua bondade, pela tua aceitação de tudo, de tudo, pela tua paciência no sofrimento e na solidão, pela tua fé, pobreza e simplicidade, pela tua sabedoria. Fizeste questão em que escrevêssemos as quadras das Janeiras que tu sabias porque “um dia morro e depois quem é que vos ensina”? Mais que as quadras das Janeiras, vovó, espero ter aprendido a tua lição de vida.
Inverteram-se os papéis e agora o bebé eras tu. Pior que bebé, dizias!...
Chegámos longe vóvó, e hoje posso dizer que tive oportunidade de te conhecer como até aí nunca tinha acontecido e aprendemos tanto todos!
“Gosto muito de ti vóvó!” “Mas eu ainda gosto mais de ti, menina. Muito, Muito!” respondias. Gostavas de ter sido professora. De meninos pequeninos… Foste nossa professora e ensinaste-nos o Amor. Obrigada!
Quanto nos rimos contigo! E se agora choramos não é de desespero, é de saudade e de alegria, porque acreditamos que estás no Céu. “Ó vóvó, se tu pudesses escolher para onde é que querias ir agora?- Ó menina, para o Céu- respondias. E como é que se vai para o Céu? De avião, vó? Oh, não. Há um verso que diz assim “lá no céu há uma escada, feita de mar maravilha onde está a Mãe Santíssima com o Menino nos braços.”
“Então mas há uma escada para o Céu? Onde é que fica?”. “Oh não sei, mas tu também pensas que o Céu é um quarto ou uma sala onde a gente está? O Céu não é um sítio”. “Então o que é, vó?..”. “O céu- disseste tu, grande teóloga que não sabe ler- é estar em Deus…”.
Ó vózinha, agora que já estás com Deus, ensina-nos o caminho para lá, diz-nos onde fica a escada. Nesta altura também já encontraste a tua querida Virgem Maria que tem o teu nome. Gostavas tanto dela que ela até te visitou mais do que uma vez. “E como era a cara dela, vó?”, perguntávamos. “Oh, não sei, estava de costas!”
Hoje já a viste de frente. Já sabes como é o Céu, já nos olhas a todos sem a prisão de um corpinho doente.
As últimas coisas que me disseste, antes de ir para Lisboa, foram resposta ao pedido que hoje renovo: “Ó vó, bote cá a sua bênção!”
Sim, vó, abençoa-nos desde aí e ajuda-nos a cortar a meta como tu a cortaste: com dignidade e feliz!
Descansa agora, da tua vida de entrega e sacrifício.
E pede a Deus que agradeça como só Ele sabe fazer, a todas as pessoas amigas, que pela oração, trabalho ou pela companhia, nos ajudaram a chegar aqui.

Aprendeste connosco este verso que gostavas tanto e que resume muito bem a tua vida:
“Boa noite, boa noite Maria,
Boa noite minha Mãe.
O dia foi lindo p’ra mim,
Foi lindo p’ra ti,na harmonia.
Vivemos na mesma Cruz
Juntos com Jesus na alegria.”


15/12/06, dia do seu último voo

À minha avó Conceição que ontem celebrou mais um aniversário! Que saudades, vovó!

1 comentário:

  1. Ainda hei-de ver essas quadras das janeiras... e revelar-te os "inéditos póstumos" do meu pai que "oiço" mas não "vejo" há 4 anos, feitos exactamente hoje.

    l.

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